O Plenário da Câmara Municipal de Guarujá aprovou, por 9 votos a 6, a formação de comissão processante para apurar responsabilidades no caso que ficou conhecido como 'o escândalo da merenda'.
A medida foi deliberada em consonância com parecer, emitido pela Comissão de Fiscalização e Controle, que investigou o caso durante seis meses e concluiu que há fortes evidências de superfaturamento, fraude, ingerência e omissão por parte de agentes públicos - conforme consta no relatório analisado nesta terça-feira pelos vereadores, e que agora será encaminhado ao Ministério Público Estadual (MPE) e ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) para municiar possível inquérito criminal a ser aberto contra os gestores responsáveis.
Paralelamente a isso, a comissão processante vai apurar a eventual responsabilidade da chefe do Executivo no caso. O grupo foi formado na mesma sessão em que o relatório foi votado, por meio de sorteio. O vereador Edilson Dias (PT) ficou com a presidência da comissão, tendo como relator o vereador Geraldo Soares Galvão (DEM) e, como membro, o vereador Jailton Sorriso (PPS). Os trabalhos terão duração de 90 dias e, ao final, podem resultar em cassação.
Denunciado em junho, pela ex-presidente do Conselho de Alimentação Escolar (CAE) do Município, Elizabeth Barbosa, o escândalo veio à tona em depoimento prestado a vereadores da Comissão de Fiscalização e Controle da Casa, quando apontou uma série de irregularidades no contrato de fornecimento de merenda escolar nas unidades de ensino da Cidade - como inferioridade nutricional dos alimentos servidos; o não cumprimento de exigências contidas no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), além do supostos cerceamento do trabalho de fiscalização dos conselheiros.
Investigações realizadas pelos próprios vereadores também identificaram compras a preços bem acima dos praticados no mercado. Entre os que mais chamaram atenção, consta o valor do preço do adocante dietético líquido (marca Stevita): R$ 24,76 (frasco de 100 ml), sendo que o mesmo produto, no mercado, foi encontrado por R$ 2,10 (o frasco de 100 ml). Ou seja, por preço quase 1.000% menor (mais detalhes na tabela abaixo).
Vereadores também detectaram problemas no fornecimento de carne às escolas. Os vereadores Edilson Dias (PT), Luciano Lopes da Silva, o Luciano China (PMDB) e Givaldo dos Santos Feitoza, o Givaldo do Açougue (PSD) comprovaram que, em pelo menos duas escolas, a carne oferecida na merenda (coxão mole) seria inferior a que foi licitado pela Secretaria de Educação (contrafilé). Eles também encontraram duas peças de carne que deveriam ter 5 quilos, e não tinham.
Vereadores detectaram ainda negligência no recebimento dos alimentos, perdas entre 30% e 50% das frutas e verduras, fragilidade na estrutura das cozinhas das escolas; merendeiras das próprias empresas fornecedoras assinando recebimentos de mercadorias e preços duas ou três mais altos do que os praticados no mercado, com indícios de superfaturamento. O fornecedor também estaria sem contrato, na ocasião.
Entre as disparidades de preço verificadas, as que mais chamam atenção são:
1) O valor do preço da farinha de trigo especial (marca Rosa Branca): R$ 4,50 (o quilo), sendo que o mesmo produto, no mercado, custa R$ 2,10 (o quilo). Ou seja, é 109% menor.
2) O valor do preço o café moído e torrado (marca Pelé): R$ 18,12 (o quilo), sendo que o mesmo produto, no mercado, custa R$ 9,96 (o quilo). Ou seja, é 81,9% menor.
3) O valor do preço do trigo para kibe (marca PQ): R$ 11,88 (o quilo), sendo que o mesmo produto, no mercado, custa R$ 5,00 (o quilo). Ou seja, é 137,6% menor.
4) O valor do preço do adocante dietético líquido (marca Stevita): R$ 24,76 (frasco de 100 ml), sendo que o mesmo produto, no mercado, custa R$ 2,10 (o frasco de 100 ml). Ou seja, é 1.000% menor.
5) O valor do preço do orégano (pacote 100g): R$ 6,93, sendo que o mesmo produto, no mercado, custa R$ 2,10 o pacote de 100g. Ou seja, é 230% menor.
6) O valor do preço do frango em cubos: R$ 16,59 (o quilo), sendo que o mesmo produto, no mercado, custa R$ 6,99 (o quilo). Ou seja, é 137% menor.
7) Sucrilhos (da marca Nutrifoods): R$ 18,00 (o quilo), sendo que o mesmo produto, no mercado, custa R$ 8,60 (o quilo). Ou seja, é 109,3% menor.
8) Cereal infantil (da Multicereais): R$ 11,70 (o quilo), sendo que o mesmo produto, no mercado, custa R$ 4,30 (o quilo). Ou seja, é 109% menor.
9) Biscoito salgado tipo cream cracker (da Duchen): R$ 11,00 (o quilo), sendo que o mesmo produto, no mercado, custa R$ 5,50 (o quilo). Ou seja, é 100% menor.
10) Suco de caju (Serigy): R$ 11,00 (o litro), sendo que o mesmo produto, no mercado, custa R$ 4,58 (o litro). Ou seja, é 140% menor.
*Todos os preços tomados como base de comparação, pela Câmara, foram adquiridos em mercados da Cidade e as notas fiscais constam no relatório. Todos os daddos referem-se ao ano de 2014.
MAIS UMA COMISSÃO PROCESSANTE É ABERTA
Além do escândalo da merenda, também será alvo de comissão processante, aberta pela Câmara Municipal de Guarujá, suposto descumprimento, por parte da chefe do Executivo, a um novo dispositivo, acrescido recentemente à Lei Orgânica do Município, por meio de emenda aprovada pelo Legislativo, que impede a nomeação de pessoas ligadas a empresas ou fornecedores que mantém contratos ou qualquer tipo de negócio com a Administração Municipal.
A medida, de autoria do vereador Valdemir Batista Santana, o Val Advogado (PSB), foi aprovada pela Câmara ano passado, mesmo à revelia da prefeita Maria Antonieta de Brito, que tentou barrá-la depois, na Justiça, porém, sofreu reveses nos tribunais. Embora, mesmo assim, continue não obedecendo ao dispositivo recém criado.
"Temos evidencias de descumprimento desse novo artigo da Lei Orgânica do Município, o que é passível de cassação. Daí a abertura da comissão processante. A chefe do Executivo tem que ser a primeira a obedecer a constituição do Município", argumenta Val, que foi quem articulou a abertura deste segundo processo movido contra Antonieta. Assim como no caso da merenda, este também pode resultar em cassação de mandato.
Ainda há possibilidade de abertura de outras duas comissões processantes, nas semanas seguintes, já que serão votados os relatórios de investigação do 'Caso Matisse' - relacionado à contratação suspeita de empreiteira que não entregou as obras de três escolas, mas recebeu os recursos quase que integralmente; e sobre o 'Caso Kalil' - relacionado à nomeação de pessoa ligada a fornecedores da Prefeitura, em cargo do primeiro escalão, com poder de assinar empenhos de recursos.
"Se ficarem evidentes as irregularidades apuradas, como no caso da merenda, vamos instaurar outras comissões, sim, e identificar responsabilidades. A Câmara é um poder independente. Não estamos aqui pra passar a mão na cabeça de ninguém", avisa desde já o presidente do legislativo guarujaense, Ronald Nicolaci Fincatti (Pros), prometendo transparência em todos esses processos.